sábado, 20 de agosto de 2016

31 | Cabrão, em linguagem corrente

Antes demais,
ISTO não é um poema sobre um cavalheiro.
É um TEXTO,
sobre um cavalheiro,
com parágrafos nos sítios errados.

Agora vamos por partes, 'tá?

primeira.

Apareces, no teu passo definido e claramente ensaiado,
a cheirar a coisas da noite passada,
com o casaco a descair sobre os ombros largos e apetecíveis.
Porque não há nada de mais apetecível que um ombro largo. 

segunda.

Aquele trejeito com a boca.
Uma leve artimanha dos músculos, tão só.
Mas só? Como só?
Só isso chega para lançar à fogueira a consciência intata e segura de quem te vê:
Não há espaço para a consciência no espaço que ocupas.
Simples. Roubas o ar às coisas de fora.
Fazes jus ao princípio metafísico de que as coisas deixam de existir quando não pensamos nelas.
Para além de ti, não há nada mais a ver quando passas. 

Terceira.

A arrogância.
Devia afastar-me, como afasta tudo o que junto a ti não perde o bom senso.
Compra-me, por favor, um manual de iniciação prática ao bom senso na tua presença.
Bom-senso. Bomsenso. Bon-s-e-n-s-e. Para quê, pergunto eu?
E já o perco até longe de ti, só por pensar em ti, e mais uma vez: deixa de haver qualquer outra coisa.
Mas falávamos da arrogância, está certo?
É horrivelmente arrogante, Mr.
Cabrão, diz-se em linguagem corrente.
E ainda assim...
Ainda-asssssim.
Ainda
Assim ...
qualquer coisa que me esqueci de dizer.

Imagina como era curioso se me apaixonasse por ti.
Não, espera, imagina como era curioso se eu pudesse sequer apaixonar-me por ti.
Suponho que seria estranhamente agradável sofrer por alguém como tu, sabes?
Não, espera outra vez, só há um alguém como tu,
vossa excelência, meu amor,
que eu não amo.
Não sei se é por causa da profundidade dos teus

(Quarta)

olhos.
Brota deles qualquer fatalidade histórica,
qualquer "quê" de perdição de almas femininas e volumptuosas,
aquela tal qualidade de claleidóscopicismo que só se encontra nos olhos dos
grandessíssimos imbecis.
ou secalhar era da luz, e são só olhos.

Quinta

As tuas mãos.
O que eu tenho a dizer sobre as tuas mãos morreu na ponta das minhas,
que escrevem a beleza da tua sacanice em teclas pouco dignas para a receber.

Emprestei por tempo indeterminado, parece, o meu coração.
Sempre o levas, parece, no

(Sexta e última)

bolso direito da camisa.
Segredo: não é meu. Encontrei-o no chão e fiquei com ele.
Mandai-me prender por roubar corações de pedra, vá.
 

Graceline
num momento de muito sono e pouca lucidez.

Nenhum comentário: