Julguei, durante mais tempo que o necessário, que as melhores histórias eram aquelas com um travo fatalista, aquelas que implicassem as mais duras cruzadas por caminhos perigosos da consciência, incursões aventureiras e irrefletidas por lugares evitados por quase todos, mas tão apetecíveis para mim como se de guloseimas se tratassem.
Alimentei-me do que não podia ser.
Se era impossível, logo eu me aproximava com aquela curiosidade quase infantil, sentando-me à porta com a merenda.
Eu sou assim, ó Esteves, de malas e bagagens à porta do que não é seguro.
Acampei junto de amores improváveis, e fiz deles o meu único lar.
Vesti-me desses amores da cabeça aos pés, bebi-lhes os gestos, as palavras e as manias, até que não fosse mais do que o reflexo daquilo que só eu via.
Meti na cabeça, ó Esteves, que o amor era mais bonito quando era triste.
Como o fado.
Sentava-me à janela dos amores lunares, com as suas palavras feitas de chuva e noite, e esperava. Adormecia, por vezes, mas logo acordava disposta a dedicar-me ainda mais à tarefa árdua de me perder mais de mim por outrem.
E era tão fácil, Esteves, tornar-me a sombra de alguém difícil.
Alguém fodido, Esteves.
Dizem que é poético.
O amor só era lindo enchesse a alma,
E a pele,
E os ossos.
Se preenchesse tudo de forma sufocante, quase dolorosa.
Infinita.
Mas eis uma lição, ó Esteves: o amor não preenche coisa nenhuma.
Completa.
Completa.
(Deixa espaço para uma coisinha simples chamada "eu".)
Não tem de ser complexo: pode ser só fácil como estar por perto, bonito como descobrir uma coisa nova na própria cidade, desafiante como uma aprendizagem.
Às vezes o amor é só rotina, e ainda assim muda todos os dias.
O amor, ó Esteves, é quando tu não precisas de escrever sobre isso.
É a melhor forma de ser poesia.
Mary J.
Às vezes o amor é só rotina, e ainda assim muda todos os dias.
O amor, ó Esteves, é quando tu não precisas de escrever sobre isso.
É a melhor forma de ser poesia.
Mary J.
* "O amor é Fodido", Miguel Esteves Cardoso.
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