sábado, 20 de agosto de 2016

36 | Insustentável peso da bagagem

Sou uma pessoa de bagagem.
Quando vou, não vou sozinha; levo comigo tanta tralha interior (e exterior, é certo) que não admira que me custe fechar a boca por um segundo que seja. Mas quando falo, repara, falo do que há em volta ou na superfície de mim, nunca do que levo cá dentro. 
Não foi a vida que me deu bagagem para os ombros, na verdade, foi sempre tão amável comigo que até parece injusto: fez-me emocionalmente leve e tornei-me pesada, apanhando coisas pelo caminho. 
Que coisas?, perguntas tu; que coisas guardo eu que pareço tão lisa a quem olha? Olha, coisas, coisas dos outros - amores que perderam, dores que fizeram por esquecer, sentimentos esquisitos que já ninguém quer, vergonhas, tristezas, também alegrias, mas angústias, medos, loucuras. E sobretudo, problemas. 
Apanho problemas como quem apanha cogumelos. 
E trago-os na mala, embrulhados em cobertores, cuido deles e faço-os meus porque, no fundo, gosto de pensar que sou complicada, que sou das malas de viagem e não das pochetes, que "tenho mundo" em mim. Todos os meus problemas, angústias e medos, todas as minhas alegrias e vitórias só existem porque os apanhei e guardei. Se os tivesse deixado quietos no chão, não seriam meus. 

A vida fez-me vazia e eu enchi-me com coisas que apanhei na rua. 
Agora sou da bagagem, como sempre quis.

Lory. 
(a minha nova personagem)

35 | Considerações sobre os olhos dos sacanas

Eu gosto dos olhos dos sacanas, mais do que dos bons samaritanos;

conquanto possam ter a mesma cor, mostram coisas tão distintas que jamais poderiam ser considerados parecidos. 
Não trazem em si promessas vagas, futuros incertos nem tão pouco juras de amor: são só olhos, sem espelhos para a alma, sem passaportes gratuitos para o lado de dentro, sem reticências, sentidos ocultos, funções intrínsecas. 
Nada. 
São apenas olhos, com coisas típicas de olhos, como meninas-do-olho e pestanas. 
Eu não gosto de tropeçar na alma de alguém à primeira vista - as almas, como as mulheres, não se querem fáceis.  
Os homens moralmente corretos, até a cerrar os olhos contra o sol, deixam escapar os poucos segredos que guardam (sim, porque as boas pessoas não são muito dadas aos segredos). 
Já os olhos dos imbecis, esses sim têm valor: têm coisas lá dentro, como todos temos, não fossem os olhos duas pequenas janelas para o interior da nossa cabeça, mas ao contrário dos bons-da-fita cujos vidros dos olhos estão tão imaculadamente limpos que conseguimos ver os pensamentos a passear de cuecas na sua intimidade, os olhos dos sacanas são como caleidoscópios coloridos e confusos que nos dão a volta à cabeça e ao estômago. 
É, eu hei sempre de preferir os príncipes desencantados com olhos caleidoscópicamente impenetráveis. 

GRACE - line 

34 | Ode às raízes

Quantas vezes mais,
amor,
olharemos as árvores de dentro de casa?

Não há nada de curioso nelas,
as raízes nascem dentro de portas,
não fora das janelas.

Quantas vezes mais,
amor,
o tapete fará de jardim?

Que há de útil nas ervas,
perguntas,
para que as estimes assim?
não há em mim e na minha afeição
mais perfeição do que num pé de jasmim?

Quantas vezes mais,
amor,
a lâmpada tomará o lugar do sol?

Não é bela a ciência oculta da eletricidade, criança?

(esperança? disseste?

não, não, criança, disse eu.

desculpa, erro meu.)

Quantas vezes mais,
amor,
quantas vezes mais,
a chuva baterá no vidro e não nos cabelos?

Que há na chuva senão água?
não pode também ela sair da torneira?

E dos olhos, de que maneira.
devia oferecer-te uma flor.

Para que quero eu uma flor?
para que servem sequer as flores?
quero antes uma casa com dois aquecedores,
e filhos pequenos
para apertar atacadores.
uma casa pequenina, sabes?
para viver com os meus amores.

Pequenina?!
e espaço para as minhas dores?
onde deitarei a minha alma chorosa?
haverá sequer espaço para plantar uma rosa?
ai rapaz!
as raízes são para a terra,
não para mim.
eu sou assim.
tente perceber,
tente.
não sou boa a cuidar de plantas,
nem tão pouco de gente.

Quantas vezes mais?

não mais, amor, não mais.

Emily Words

33 | Reflexão sobre a vida, a escrita e as orelhas

Na minha mente, a vida e a escrita são como as orelhas: existem, sem se tocar, uma em cada canto da cabeça - as orelhas por fora, a vida e a escrita por dentro - mas sem nunca se cruzarem.
Admiro quem escreve sobre a vida, quem relata factos, quem reflete sobre eles, quem escreve longos devaneios sobre a realidade das coisas reais. 
Eu não o faço, ou vivo ou escrevo, ou escrevo ou vivo, nunca as duas coisas se confundem em mim; se vivo, então toda a minha energia está na arte de viver, nada mais entra na equação. Nesses dias, não escrevo. Mas quando escrevo, então aí toda a minha energia está na arte de escrever, e não vivo.  Aí, quando a vontade de escrita ultrapassa a vontade de vida, preparo a minha mente como as pessoas preparam as casas para as tempestades: tapo os ouvidos com tábuas de madeira invisível para não deixar entrar coisas do lado de fora, monto diques em volta das ideias reais para que não molhem a minha vontade de coisas inexistentes, calço galochas que ninguém vê para poder patinhar nos sentimentos sem que me molhem os pés. 
Já dizia o Carlão, "eu não escrevo sobre o que sinto, eu sinto o que escrevo", e há nessas palavras uma verdade muito minha. Os sentimentos - reais! note-se. - não me servem de nada, são apenas os pincéis da arte de viver, e como disse, quando me concentro em viver, não se espera que escreva. 
Agora os sentimentos inventados, aqueles que não se sentem senão com a mente, ah! esses sim, são a tinta onde molho a pena para escrever. 

Sim, ou vivo ou escrevo, e aqui só para nós, todos sabem que escrevo mais do que o que vivo.

Emily Words.

32 | Aula de escrita criativa

Hoje levantei-me momentaneamente dos lugares seguros e, devagar, voltei a sentar-me. 
Há, na quietude da minha alma, qualquer coisa feita de tijolo-de-lágrima, infinitamente triste mas seguramente estável, distante do sopro da imprudência dessas coisas não pensadas, dessas paixões breves mas intensas que abalam, destroem e não voltam para erguer de novo. 
Há em mim e no meu silêncio uma vontade de permanecer nas bordas do que me é próximo e conhecido, uma necessidade de seguir, em passo lento, tranquilo, vagamente marchado, em direção a um lugar preciso, sem olhar para trás - para não vacilar. 
Mas hoje, por um momento, levantei-me, como disse, da minha forma de estar e cruzei-me comigo. Mas um comigo que não está em mim. 
Havia na alma desse meu outro eu qualquer coisa de ardente e precipitado, qualquer coisa próxima do sol de Agosto que me fez retrair e sentar de novo na minha plácida existência, controlada e outonal. 
Sim, hoje levantei-me momentaneamente dos lugares seguros e, devagar, voltei a sentar-me.

Emily Words, 
texto escrito no workshop de escrita criativa inspirado no livro "Sensibilidade e Bom Senso" da (minha muito preciosa) Jane Austen.

31 | Cabrão, em linguagem corrente

Antes demais,
ISTO não é um poema sobre um cavalheiro.
É um TEXTO,
sobre um cavalheiro,
com parágrafos nos sítios errados.

Agora vamos por partes, 'tá?

primeira.

Apareces, no teu passo definido e claramente ensaiado,
a cheirar a coisas da noite passada,
com o casaco a descair sobre os ombros largos e apetecíveis.
Porque não há nada de mais apetecível que um ombro largo. 

segunda.

Aquele trejeito com a boca.
Uma leve artimanha dos músculos, tão só.
Mas só? Como só?
Só isso chega para lançar à fogueira a consciência intata e segura de quem te vê:
Não há espaço para a consciência no espaço que ocupas.
Simples. Roubas o ar às coisas de fora.
Fazes jus ao princípio metafísico de que as coisas deixam de existir quando não pensamos nelas.
Para além de ti, não há nada mais a ver quando passas. 

Terceira.

A arrogância.
Devia afastar-me, como afasta tudo o que junto a ti não perde o bom senso.
Compra-me, por favor, um manual de iniciação prática ao bom senso na tua presença.
Bom-senso. Bomsenso. Bon-s-e-n-s-e. Para quê, pergunto eu?
E já o perco até longe de ti, só por pensar em ti, e mais uma vez: deixa de haver qualquer outra coisa.
Mas falávamos da arrogância, está certo?
É horrivelmente arrogante, Mr.
Cabrão, diz-se em linguagem corrente.
E ainda assim...
Ainda-asssssim.
Ainda
Assim ...
qualquer coisa que me esqueci de dizer.

Imagina como era curioso se me apaixonasse por ti.
Não, espera, imagina como era curioso se eu pudesse sequer apaixonar-me por ti.
Suponho que seria estranhamente agradável sofrer por alguém como tu, sabes?
Não, espera outra vez, só há um alguém como tu,
vossa excelência, meu amor,
que eu não amo.
Não sei se é por causa da profundidade dos teus

(Quarta)

olhos.
Brota deles qualquer fatalidade histórica,
qualquer "quê" de perdição de almas femininas e volumptuosas,
aquela tal qualidade de claleidóscopicismo que só se encontra nos olhos dos
grandessíssimos imbecis.
ou secalhar era da luz, e são só olhos.

Quinta

As tuas mãos.
O que eu tenho a dizer sobre as tuas mãos morreu na ponta das minhas,
que escrevem a beleza da tua sacanice em teclas pouco dignas para a receber.

Emprestei por tempo indeterminado, parece, o meu coração.
Sempre o levas, parece, no

(Sexta e última)

bolso direito da camisa.
Segredo: não é meu. Encontrei-o no chão e fiquei com ele.
Mandai-me prender por roubar corações de pedra, vá.
 

Graceline
num momento de muito sono e pouca lucidez.

30 | Pirotecnia e serenidade das almas

simplicidade dela é avassaladora, incompreensível, a meus olhos, quase que um estado selvagem da consciência, longe das complicações mudas da minha. Ela é assim, desperta para as coisas reais, indiferente aos lados de dentro, aos demónios interiores que me atormentam, a muito meu prazer. Alto, não trocaria a minha condição de virada-do-avesso por nada deste mundo: é sempre no meu desencontro que acabo por me encontrar. É sempre, escuta, é s.e.m.p.r.e através da dor que me abeiro da felicidade. Dor provocada, dor construída, dor criada, dor -essencialmente - escrita. Mas ela não, ela é assim, real, palpável, toda ela em consonância com o corpo que a define, toda ela consciente das curvas e contracurvas da sua presença. Ela dança, e quando dança é como se toda a realidade se esgotasse no seu ser, e eu...bem, eu sou o oposto, eu estorvo-me a mim mesma enquanto corpo, vulgarmente humano, cruelmente físico, estupidamente real. Eu não me sinto enquanto carne e osso, não tenho equilibrio, velocidade, controlo sobre os meus movimentos, nada - é quase como se me tivessem metido no invólucro errado e eu, passados 20 anos, ainda não aprendi a aceitá-lo.
Bem, talvez não tenha sido totalmente sincera quando disse que não trocaria a minha condição de virada-do-avesso por nada deste mundo, tem dias que me apetecia ser assim como ela, solta, leve, harmoniosa com o ambiente em seu redor.
Até nas ambições e expetativas ela é serena, espera o futuro - que é para ela tão certo como 3 e 2 serem 5 - com placidez e um meio sorriso na cara, assim semelhante à presença suave e dourada das grávidas. As minhas ambições e expetativas disparam em direções opostas, contraditórias, antagónicas - tão certas como 3 e 2 serem 2930910391930 - rodopiam na frente do presente fazem curvas perigosas no passado, saltam, rebentam, fazem barulheiras infernais na minha mente, qual espetáculo de pirotecnia que assim que termina deixa tão só uma camada de fumo cerrado, que não deixa ver nem para trás nem para a frente, e que depois me faz impressão nos olhos, justificando assim a minha choradeira aparentemente injustificável em frente a um prato de arroz de marisco. 
 Ela é assim e eu, bem, não sou assado senão seria consideravelmente mais morena (o que de resto faria as minhas graças) mas vá, a gente vai aprendendo a lidar com o que tem, se a gente não aprende, a gente finge que aprendeu.
Sim, a gente finge. 

Nem sei com que personagem assino este texto por isso vai assim, 
Mim. 

29 | A mão com que Pessoa escreve


       O que mais me fascina em si é a parte lateral da mão com que escreve. Em cada noite que se sentou na escrivaninha de madeira coçada e conduziu a pena pelo papel, a sua mão acompanhou o correr das palavras; ora lenta, com o tédio de um gato gordo e velho, ora urgente, com uma necessidade quase sobre-humana de entrar no papel.
      Esse caminhar sobre as frases, molemente angustiado, arrastou as palavras e prendeu-as na parte lateral da mão de quem as escreveu.
   A mão de um empresário, em nada me encanta; ela guarda palavras entediantes como "empreendorismo" e "sinergia"; a mão de um apaixonado vulgar, também nada me diz para além da triste condição de um amor que se esgota na sua totalidade.
Mas a sua mão, a mais sublime e grandiosa das mãos, tem nela as mais belas palavras algumas vez escritas! Na sua pele mármorea mora D.Sebastião, numa cabana de nevoeiro; nas cavidades frágeis do dedo mindinho, habita o amor da doce Ophélia, tão inocente mas tão maliciosa, que tanto dá asas como cria raízes... e junto ao pulso que se agita nervosamente, uma longa mesa, onde jantam (ruidosamente, sempre ruidosamente) Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Bernardo Soares, e tantos outros, todos os que haveis criado na sua mente e que tiveram também na sua, sempre angustiada, sempre consumida, sempre insatisfeita, mão.
      É como se tivesse uma alma com três casas: uma na mente, debaixo do chapéu de côco, outra no 1º direito da sua mão, e uma última, junto ao bolso da batina, com cheiro a tabaco e bagaço...mas do lado de dentro, junto ao coração que não bate mais.

Emilly Words.

28 | Credo

Ex mo Senhor S,
Oxalá que lhe caia uma mosca no copo sem dar por ela, que tropece ao benzer-se na missa de domingo e entorne o copo do vinho no altar, que lhe caia o monóculo numa poça de água durante um passeio com a madame e, quando se baixar para o apanhar, oxalá lhe rasgue o fato mesmo naquele sítio a sul onde as costas mudam de nome. 
Só não desejo que lhe caia um piano em cima por respeito. 

Ao piano. 

Não são ciúmes da catraia, entenda-se. Já lhe disse mais de mil vezes que não me importa a mim dividir a óstea conquanto a parte maior venha para mim.  Não me aquece nem me arrefece que ande com a moreninha de braço dado pela praça, que a exiba como uma pomba branca, com as patitas bem presas ao braço direito, não vá o dono trocá-la por uma caturra de poupa em riste.
Mas agora, seu trapaceiro, que me venha dizer que finalmente se sente amado, ai isso não! 

Eu, que me prostrei diante si com a devoção doentia de uma crente, que o adorei com o fervor de quem adora um deus, que esperei pacientemente, contida como se de tempo de quaresma se tratasse, gostando-lhe em silêncio como quem ora, para não o assustar, está certo, julgando que a sua fé era a do prazer sem amor e não o contrário. 
E eu nada dizia, sabendo-o assim insensível e descrente dos cânticos do coração, porque a bom rigor ainda pensava ser capaz de convertê-lo à minha doutrina, esperando um dia celebrar consigo o 7º sacramento. 
Lá julgava eu que além de mim, andava mais alguém a espalhar a boa nova! 
E você, seu imbecil, passava diante mim com uma indiferença quase felina, com uma altivez errante e desprendida, com desprezo de quem naquela parte de ajoelhar na igreja, não reza, apenas fecha os olhos e medita no jantar que se lhe segue; descartando o meu amor sem remorsos, sem culpa, sem pena.

E agora, de moreninha debaixo do braço, diz-se sentir amado como nunca antes. Que belo judas que me saíste! Que grandeza é a do seu amor que oculta a pureza do meu?! Haverá na sua devoção mais fervor do que na minha?! Serão as preces dela mais esperançosas? As suas certezas mais inabaláveis? A crença da sua possível absolvição, meu amor, mais vincada do que a minha?! 
Está claro que não, Senhor S.

A beatinha da sua malfada alma (atulhada com tanto pecado vil que já salta pelos olhos), a sua moreninha cândida que segundo sei o faz sentir amado, ajoelha num altar que não faz as graças da pureza do meu sentimento, e juro sobre a minha bíblia que não mais é do que o livro do dessassossego, que quando se cansar do sermão, há de vir pregar para a minha paróquia...
Ah, meu amor, hei de correr consigo com a rapidez que o diabo foge à cruz. 

Da furiosa,
Cereja. 

27 | Inquietas são

Inquietas são,
 as dores sem razão de ser.

Dizem,
os bem aventurados que sofrem por motivos,
que não há dor só pela dor,
que toda a dor tem origem, pátria e família
que toda a dor é terra cultivada,
não mais do que a dura colheita de um fruto outrora semado.
Dizem eles,
os entendidos do mapeamento de dores,
que ninguém chora só por vontade de lágrimas,
que ninguém desconhece o andar onde mora a mágoa,
e que o segredo está somente em tocar à campainha,
e pedir para baixar o volume.
"Dói-me aqui." - Dizem,
triunfantes do seu sentido de orientação,
e enumeram, explicam, teorizam,
dão causa e efeitos para as dores que têm,
medicam-se com os clichés genéricos
que logo atacam os glóbulos vermelhos dos amores não-correspondidos.

Estendem-me pastilhas tricolores na palma da mão, 
rezam slogans generalistas e,
seguros do diagonóstico, 
aconselham curas para as doenças que não são as minhas. 
"Estás triste por causa disto." Dizem,
confiantes dos meus sintomas, 
e quando digo que a minha dor é somente dor, 
dor de não saber aonde dói, 
tristeza por ela mesma, 
sem razão, sem motivos, 
dizem que não: "Não é possível."
Inquietas são as mágoas sem etiqueta, 
as angústicas sem nome, 
as tristezas sem-terra. 
Porque ninguém cura um mal sem saber do que padece, 
ninguém encontra solução sem ler o problema, 
ninguém chega ao resultado sem calcular a equação. 
Felizes dos que levam na mão o enunciado das suas desalegrias, 
e, sossegadamente, de caneta em riste, 
procuram resolvê-lo com cabeça. 
Inquietos, explosivos, insanos são os traços
 (sem projeto nem trajeto)
que vou fazendo na folha em branco que, nervosamente, 
arrasto comigo. 
Inquietação, inquietação; inquietas, são 
as dores sem formulário que, 
apesar de inquietas,
são tão ou mais reais que as reais dores dos que sabem sempre
aonde dói. 


Lory. 
13.12.13

26 | Uma breve e desencantada estória de não-amor



Numa terra junto ao mar 
nasceu um dia uma criança
que contra a vontade do pai
se chamou Conceição Maria Esperança. 

Esperança era o que não tinha, 
na sua desvairada filha, 
pois na cabeça da jovenzinha
não cabia mais que uma ervilha. 

Desde cedo foi esquecendo
onde deixava os brinquedinhos 
distraída sem remendo,
perdia-os pelos caminhos. 

Na escola aprendeu a ler
e a responder à tabuada
mas perdia as letras sem querer
e ninguém percebia nada! 

"Era uma vez a princesa -arlota" 
começava a ler Conceição, 
no meio da geral risota,
procura o "c" pelo chão. 

Nas contas de multiplicar,
esquecia sempre a cruzinha,
a professora farta de explicar: 
"Vais para o castigo sozinha!"


Assim se passaram os anos
e Conceição cada vez mais esquecia,
mas isso não estragava os planos
de vir a trabalhar numa confeitaria!

No início bem custou
pois esquecia as medidas,
mas logo um esquema engendrou
de as cozer nas saias compridas!


Assim, ao redor das saias
trazia receitas de doces sem fim
e também excertos dos Maias
para ler quando fosse ao jardim. 

Conceição era agora uma jovem senhora,
e seu pai estava preocupado
não é que nunca mais chegava a hora 
de ela ter uma namorado?!

Numa terra tão pequena
só se queria ver casamento
e a filha da dona Helena
já ia no terceiro rebento!

O pai e mãe de Conceição
temendo uma filha solteira,
quiseram abrir-lhe o coração
mesmo à sua maneira. 

Durante meses naquela casa
desfilaram bigodes e barbas,
todos a arrastar a asa
à bonita loirinha com sardas. 

Fartos da situação
foram com ela à bruxa Orácia:
"Vossa filha perdeu o coração,
não o vejo na caixa toráxica!"

O pai, fora de si,
culpava a chorosa Conceição: 
"Sua tonta, que vai ser de ti, 
ninguém ama sem coração!"

Conceição chorava sem para,
mas não pela falta do dito cujo,
porque não se pode lamentar
a falta de algo que nunca teve uso! 

Esperara sempre um grande amor,
mas nunca com muita urgência
julgava que a longa demora
se devia aos padrões de exigência. 

Mas agora sem coração, 
que iria ela fazer? 
Fingir ter afeição,
ou ficar só até morrer? 

Tristemente olhava as amigas,
com inveja e admiração, 
de amor sofrem as raparigas
de não-amor sofre Conceição. 

Procurou por toda a parte, 
debaixo do chão e no telhado,
até no meio da tarte 
(não fosse o coração ter caído)
dentro do preparado!


Nisto aparece a bruxa à porta,
Dizendo ter encontrado o coração: 
"Reconheci-o pela aorta, 
tem-no o menino Simão!"


Simão era filósofo,
cheio de dúvidas e interrogações,
foi a filosofar no supermercado 
que achou o segundo dos seus corações.


Era como um nariz de palhaço,
mas maior e palpitante, 
aconchegou-o no regaço 
e foi para casa radiante. 

A jovem sua noiva já o esperava 
com um prato de lulas e puré de batata,
mas o que ela não contava,
é que em vez de com Simão,
fosse jantar com uma Lapa! 

Nem para lavar os tachos 
 ávido amante a largava, 
prendia-lhe os cachos 
e dizia que a amava. 

No início gostava a amada 
de toda essa atenção,
mas começou a ficar cansada 
de tanta adoração. 

Sem mais aguentar, 
fugiu numa tarde abafada,
deixado o Simão a chorar 
a sua sorte malfadada. 

Se um coração partido
causa dor e faz chorar,
dois corações juntinhos 
doem a dobrar!

Foi assim triste e desamparado,
que o achou Conceição: 
"Sei que achado que não é roubado, 
mas quero de volta o coração!"

Mas já era tarde demais
para inverter a situação,
pois Simão descobrira o que fazer
com dupla dor de coração.

Se alegria não faz poesia,
fazem-na certamente as dores,
Simão poemas escrevia
todos sobre os seus amores.

Se o excesso de amor
é motivo de mágoa inspiradora,
também a ausência dele
fez de Conceição escritora!


Assim Simão foi infeliz no amor
e tal como ele, Conceição,
mas vale mais um poema,
do que uma vulgar afeição!

E chegamos pois ao fim, 
de uma história desencantada, 
para que não te aconteça assim, 
fecha teu coração numa carta lacrada!



Um conto (não como breve como o título faz crer) de

Emily Words.

25 | Des-saudade

O que fazer com a falta que não me fazes? 
Não é justo que a saudade vá embora quando há lugar para ela à mesa. 
Tenho no sótão da minha alma caixas de cartão a abarrotar de afeição oferecida, 
mas quando abro a carteira para oferecer amor
há só trevos secos e uma libra. 
Não sei lidar com a Des-Saudade, 
não sei o que fazer com a ausência-de-temer-ausência, 
não sei onde arrumar o meu desinteresse pelo meu interesse em ti.

Houve tempos em que o que sentia por ti tinha direito a moldura no centro da sala. 
Mas não mais. 
A questão não é teres partido - hipoteticamente: 
quantos não são os que (se) partem e e ficam por inteiro. 
A questão é teres levado contigo a saudade que deveria ter ficado. 

Eu não sei não sentir saudade.

Momento sincero: 
Eu.
Estou-me.
Nas.
Tintas.
Para.
Ti. 

E o que fazer com essas tintas que nem para pintar paredes servem? 
És um filho da mãe egoísta. 
As pessoas normais vão embora e despedaçam o coração de quem fica, 
deixam-lhe saudades espalhadas pela casa, 
esquecem pacotes de "fazes-me falta" no frigorífico da cozinha.


Mas tu, seu catraio insuportável, não só bateste a porta como levaste contigo a falta que me deverias fazer. 
Agora eu não sinto nada.
Como sempre. 
Nada. Nadinha. Nicles. Nothing. Niente. 
Ora, Porra. 
Eu quero a saudade a que tenho direito. 
EU EXIJO SENTIR ALGO. 

Que seja saudade. 
Que seja falta. 
Que seja Algo.

E que seja rápido. 

Ninguém não-sente saudade assim que um não-amor (não) vai embora.

O que fazer com a ausência de sentir? 
Tenho blocos de indiferença a barrar-me a entrada da dispensa da alma. 

Na minha mente nunca é dia de limpeza.
P'ra quê arrumar se no dia seguinte está suja de novo? 
Na minha mente nunca se faz a cama. 
Porque a minha mente nem tem cama: ao contrário do meu corpo, que parece nunca acordar, 
a minha mente nunca dorme. 

Haverá "Dormidina" para as almas que não dormem? 


A questão é que ao ires embora 
(e quando falo na tua partida é uma partida simbólica, não corpórea) 
deixaste cá (dentro) as tuas tralhas.
Agora,
além das minhas caixas de indiferença, 
e das minhas pilhas de "sentir-falta-de-sentir-falta", 
tenho ainda as tuas latas de carinho, as tuas caixas de amor, as tuas sacas de preocupação...
tudo aquilo para o qual 

I don't give a shit.

E que não sei onde guardar. 
Não é irónico? 
Não é irónico ter caixotes de amor até vir o chico e não poder oferecer-tos? 

Quem me dera que: 
...eu pudesse dar-te tantas caixas de amor como tu a mim.
... as minhas arcas de frieza não me barrassem a passagem para o quarto onde dorme o meu sentimento por ti. 
Dorme? 
Devia ir ver se ainda respira.
Mas nem consigo passar.
...que fosse eu em vez do Gil T.Sousa a inventar a frase "tenho pássaros nos olhos".


A culpa é minha. 
Sou uma acumuladora de emoções desprezíveis.
(e uma obsessiva compulsiva das limpezas sentimentais)
Guardo lixo e lanço fora tesouros.

Talvez tenha sido eu mesma a pôr-te porta fora. 
Mas a minha alma 
(ou o meu coração)
nem porta tem.

Quem quiser que entre pela janela.

Tu partiste. 
Hipoteticamente.
E eu não sinto falta. 
Eu não sei não sentir falta.

EU EXIJO QUE ME DEVOLVAM A MINHA CAPACIDADE DE SENTIR SAUDADE.
Já.

Para poupar nos portes, mandem no mesmo envelope a minha capacidade de sentir vontade de estudar.


FIM.

Uma espécie de coisa que parece um poema de,
Madeline.

24 | O que dizem os meus bolsos

Meu amor,
tenho os bolsos vazios. 

Tenho os bolsos vazios de amor.
(E de palavras, mas isso já é outra história.)
Eu juro, 
Juro que procurei bem nos cantinhos, 
onde às vezes ficam as moedas e os caules dos trevos secos,
mas não tenho, amor. 
Amor, eu não tenho amor nos bolsos. 
 
Onde caiu? Perguntas tu, aflito. Estava mesmo aí!
Vê de novo, Mad. 
 
Ele estava mesmo aqui.
Eu deitei a mão ao bolso para tirar uma pastilha elástica 
e senti-o. 
Estava mesmo ali.
Mas agora já não está. 
Amor, eu perdi o amor. 

Não se perde assim o amor, Mad.

Caiu-me o amor ao chão, amor. 
Talvez tivesse os bolsos rasgados - tu sabes como eu tenho tanta coisa rasgada...
O coração. 
As asas.
As palavras.

Mas agora... amor, eu tenho os bolsos vazios. 
Que faz alguém com os bolsos vazios de amor? 
Se ao menos fosse de dinheiro... 
Para que quero eu dinheiro? Que posso eu comprar com isso?
 
Amor, onde posso comprar amor? 
E em que moeda pago?

Não se compra amor, Mad.
 
Mas amor, eu perdi o amor. 
Não sei se foi quando fui à mercearia.
 Talvez esteja lá a um canto,  debaixo da caixa dos morangos.
 
Amor, e se alguém confunde o meu amor perdido com um morango? 
É vermelho também, acho.
Amor, e se alguém pega no meu amor para fazer tartes? 
 
Se alguém que já tiver amor em si e comer mais amor,
pode ter uma overdose?
Quem me dera ter uma overdose de amor. 
 
Estou emocionalmente anémica. 
 
 Amor, há dispositivos electrónicos para encontrar amores perdidos? 
Talvez um detetor de metais...o meu amor sempre foi tão barulhento, talvez seja de chapa.
 
Espera.
 
Meu amor, tenho pássaros nos bolsos.
 
Mas não amor. 
 
Tenho poesia, também. 
E coisas sociológicas.
Olha amor, tenho a teoria dos campos no bolso! 
E Londres. Eu tenho Londres nos bolsos.
 
Mas não amor.

Amor, tenho os bolsos vazios de amor e de palavras,
mas cheios de pássaros. 
E britânicos.

 Ah, espera outra vez.

 Eu nem tenho bolsos.
Eu estou de vestido. 
 
Eu não fui feita para guardar amor em lado nenhum. 
Simples.

 
Uma confissão-confusão noturna de 
Madeline.

23 | Pássaros na alma

Will,
Iludiste-me. Eu julguei que tivesses pássaros.  
Pássaros na alma, sabes? 
 Mas a tua alma tem tanto de pássaros como a minha de política, Will. E eu nem tenho política na alma. Iludiste-me. Eu procurava asas, e encontrei raízes. Em vez de pássaros a cirandar em ti, fui dar com longas e imóveis plantações de flores.
És um jardim, e eu a contar que fosses um pombal. 
Eu cá gosto de flores, gosto muito de flores, mas gosto de vê-las de passagem, não de tratar delas. 
Confesso aqui que sou uma nulidade como jardineira. A terra assusta-me... por ser tão terra-à-terra, sabes? Eu não sei cuidar de flores mais do que de pessoas. Elas pedem água a mais, sol a mais, atenção a mais.
Eu nem tenho sol para dar às tuas flores da alma, Will.  
Tenho sementes no bolso, para os pássaros, mas não sol. 
Isso é o amor, Will, andar de Sol no bolso para dar às flores da alma de quem se ama. 
Eu conheço quem o faça, mas eu não. Eu nem sei fazer um sol caber no bolso, quanto mais. Talvez dobrando as pontas...eu sei lá. O sol nem tem pontas. 
Eu tenho: toda eu sou pontas. Soltas, sabes? Só pontas soltas. E pássaros.
(Já tu és um tapete de arraiolos)
Will, amor é deixar as flores da alma na terra e falar-lhes para que elas cresçam.
Eu nunca falo para as flores.
Falo para as pessoas. E falo muito, dizem elas.
Nunca deixo as flores na terra, arranco-as para marcar os livros.
Porque os livros vão ser sempre mais importantes para mim do que as flores. E do que o amor.
Will, eu tenho pássaros a mais. 
Tenho tantos pássaros que o barulho que eles fazem não me deixa pensar racionalmente. 
Tenho tantos pássaros que as suas penas fazem-me cócegas e fazem-me rir, mesmo quando quero chorar.
Will, eu tenho uma overdose de pássaros na alma. 
E pensava que tu também, mas em vez de pássaros, tens flores, e raízes, e arbustos, e batatas, e coisas que não saem do sítio. Tantas coisas que nunca vão sair do sítio. 
Will, eu não posso não sair do sítio. Will, eu não sou uma flor. 
(E se fosse, seria de lapela, não da terra.)
Will, não há vaso teu que me sirva, não há adubo que me faça crescer na terra bem tratada da tua alma. 
Eu não fui feita para plantar em alma nenhuma, muito menos na tua, porque os meus pássaros vão dar cabo das tuas flores, Will.
 
Will, eu quero voar, por isso pára de tentar plantar-me. 
Iludiste-me. 
Eu pensava que tinhas pássaros. Pássaros na alma, sabes? 

22 | O meu lugar é não ter lugar

Eu queria dizer, sem mentir, que a minha vontade é a de aprender a arte de Ficar: mas a minha casa é não ter casa e o meu lugar é não estar em sítio algum.
Eu queria dizer, sem mentir, que o meu desejo é somente sentar-me e pertencer.
Sentar-me.
E pertencer.
Mas eu não sei pertencer, e quando me sento a minha alma continua de pé, a caminhar sozinha para lugar nenhum. Eu não sei querer um espaço, muito menos uma pessoa.
Casas e pessoas são-me estranhas ao meu espírito (des)abrigado, sem um sentido de permanecer, uma vontade de construir, uma mania de estar.
A minha fé é a de não ter portas.
Eu não quero portas, não quero paredes, não quero janelas, nem tapetes de entrada com gatos estampados: eu quero céu aberto e partidas-sem-haver-chegadas.
A minha fé é a do desinteresse. Do entusiasmo breve e passageiro, nunca profundo, nunca durável, e jamais eterno, porque a eternidade estraga o que há de belo no momentâneo. Não se pode querer fazer durar flores mais do que uma semana na jarra, da mesma forma que não se pode querer fazer um amor durar para sempre. Ou uma vontade. Ou uma mania. Ou um chá.
O que é para sempre é a minha vontade de não querer nada para sempre.
Eu queria dizer, sem mentir, que gostava de ter uma mente mais sossegada. Como as mentes sossegadas de algumas pessoas que conheço, que Ficam, que Sentam, e que Pertencem, cujo maior desejo é o de permanecer irritantemente quietas debaixo do braço de outrem. E às vezes da pele.
Eu queria dizer, sem mentir, que o meu maior desejo é ficar debaixo da pele de alguém, também.

Mas eu não posso - antes de mais, porque eu não quero.

Eu nunca vou ficar tempo suficiente em lado algum para conseguir esgueirar-me para debaixo da pele de quem quer que seja. Nem eu quero, porque acho que sou figurativamente claustrofóbica.
Eu não quero Ficar, Sentar, Pertencer, Amar, nem tampouco comprar um tapete de entrada com gatos estampados.
A minha fé a de não ter tapetes.
Eu não quero ter uma alma sossegada porque eu gosto é do barulho do lado de dentro.
Eu não quero encontrar-me, porque é nos meus desencontros que eu dou comigo.

E por isso...
O meu lugar será (sempre) não ter lugar.

Mad. 

21 | Eu não escrevo

Eu não escrevo.
Que é isso de escrever senão ordenar gramática e sintacticamente um conjunto de frases com sentido?
Eu não quero fazer nascer frases com sentido.

 Eu não quero ser mãe de textos linguísticamente corretos.
Tomem um til: ~ 
Só porque eu quero pôr um til no meio do texto. 
~

Não me digam que o que eu faço é o mesmo que fazem os que escrevem decretos ou notificações.
Não me digam que o faço é escrever, porque o que faço é tão mais do que conduzir caracteres em linhas perfeitas, da esquerda para a direita, com letras maiúsculas no início das frases.
E nos nomes próprios, como Abril.
E agora nem isso.
Eu não quero ter compromissos com acordos ortográficos.
Nem qualquer outro tipo de compromissos, porque a pena - figurativa - com que (não) escrevo é a mesma que uso - figurativamente - para voar,
Virgula. Sim, eu quero acabar a frase anterior com uma virgula.
Tratarei de me confessar no fim do mês.

Eu não escrevo, eu entorno-me no papel
(Sem ponto final)
Porque o meu entornar-me no papel não tem fim.

Não! Entornar é leve, entornar é morno, e eu não sou leve e morna.
Escrever é um verbo quente e em mim há gelo a mais.
Partir.
Eu não escrevo, eu parto-me no papel.
Embato nele com o impulso selvagem de quem não tem mais impulsos selvagens na vida senão os que nascem do verso, não escrito, mas partido.
E em cada fragmento estou eu, ou aquilo que pensei de mim.
Eu não sei ver-me além desses pedaços rachados em papel de coisas que eu penso ser eu.
Por isso, eu não escrevo, fragmento-me nas palavras, disperso-me nelas e perco-me.
Em mil.
Talvez em mais de mil.
Talvez em mais de mim.


Mas eu não escrevo.
Escrever seria matar os versos que andam dentro e em torno de mim, que nem sempre os vejo porque os versos só se vêm ao microscópio.
E eu nem tenho um microscópio.
Mas quando, por um acaso maravilhoso, eu lá encontro um fácil de agarrar,
 logo o atiro à folha, estilhando-o.
Eu não escrevo, eu estilhaço-me.
E dói. Da mesma forma que deve doer de toda a vez que algo se parte, como um espelho.
Ou um coração.

- Quer dizer, eu nem sei, 
eu nem tenho um coração para saber a dor que nele se dá quando se parte - 

Eu nunca ouvi um espelho queixar-se por partir.
Por isso também não o farei.
Além disso:
É só partida que me sinto inteira.
É só neste (não) escrever que eu me perco.
e perder-me é bom, porque não saber voltar é caminhar para nenhum lado.
E nenhum lado é o meu lugar.

Eu não escrevo.
É assim, a assim será.

Eu já não sei assinar. 

20 | Ao Esteves. O Cardoso

O amor não é fodido, ó Esteves.*

Julguei, durante mais tempo que o necessário, que as melhores histórias eram aquelas com um travo fatalista, aquelas que implicassem as mais duras cruzadas por caminhos perigosos da consciência, incursões aventureiras e irrefletidas por lugares evitados por quase todos, mas tão apetecíveis para mim como se de guloseimas se tratassem. 
Alimentei-me do que não podia ser. 
Se era impossível, logo eu me aproximava com aquela curiosidade quase infantil, sentando-me à porta com a merenda.

Eu sou assim, ó Esteves, de malas e bagagens à porta do que não é seguro. 

Acampei junto de amores improváveis, e fiz deles o meu único lar. 
Vesti-me desses amores da cabeça aos pés, bebi-lhes os gestos, as palavras e as manias, até que não fosse mais do que o reflexo daquilo que só eu via. 

Meti na cabeça, ó Esteves, que o amor era mais bonito quando era triste. 
Como o fado. 

Sentava-me à janela dos amores lunares, com as suas palavras feitas de chuva e noite, e esperava. Adormecia, por vezes, mas logo acordava disposta a dedicar-me ainda mais à tarefa árdua de me perder mais de mim por outrem. 
E era tão fácil, Esteves, tornar-me a sombra de alguém difícil. 
Alguém fodido, Esteves. 
Dizem que é poético. 

O amor só era lindo enchesse a alma, 
E a pele, 
E os ossos. 
Se preenchesse tudo de forma sufocante, quase dolorosa. 
Infinita.

Mas eis uma lição, ó Esteves: o amor não preenche coisa nenhuma.
Completa. 
(Deixa espaço para uma coisinha simples chamada "eu".)

Não tem de ser complexo: pode ser só fácil como estar por perto, bonito como descobrir uma coisa nova na própria cidade, desafiante como uma aprendizagem.
Às vezes o amor é só rotina, e ainda assim muda todos os dias.

O amor, ó Esteves, é quando tu não precisas de escrever sobre isso.
É a melhor forma de ser poesia.


Mary J. 


* "O amor é Fodido", Miguel Esteves Cardoso.

19 | Poema dos que ficam

(Pensava eu)
que era de olhos fechados que melhor te via:
quando não havia mundo além da ideia de ti, 
quando estavas só onde te imaginava, 
por perto.

(Achava eu)
que havia qualquer coisa de curioso na forma como a realidade não te tocava,
apenas se aproximava em passos de lã
e se afastava de novo,
como espuma do mar,
temendo molhar as pontas do teu fato de matéria de sonho meu.

Mas quando abro os olhos e a luz entra,
continuas onde te deixei antes de os fechar,
ainda mais perto,
real como nunca antes,
ao alcance de uma palavra minha.

Talvez sejas feito de ilhas, e só se chega a ti de barco;
e eu ainda não sei bem remar, mas olha para mim enquanto tento.

Gosto que olhes para mim enquanto tento.

É nesses momentos,
nos que a realidade te abraça
- e me prova a mim que não te sonhei -
que eu tenho a certeza que o que te move não é uma mistura de convicções e vontades,
mas palavras bonitas,
como Sol e Reflexo,
e poesia que não é escrita.

Não és feito de coisas humanas, bem sei,
mas de nomes de terras por visitar,
uma mistura de caminhos, viagens, poemas e maracujás.
Gosto de ti, e gosto do que sou quando estou a gostar de ti, 
asas e raízes,
daquele jeito que julguei impossível,
ficar-partindo, permanecer-voando,
metade pássaro para metade planta.

E gosto
(sobretudo)
de descobrir que é de olhos abertos que melhor de te vejo,
como tudo o que de real merece ser visto,
bem de perto.

Pi.

18 | Na ponta da língua

Não sei estar calada.
E isto é um facto incontornável. 
Dizem que é no silêncio que se reconhecem as mentes mais barulhentas, mas quem o diz é porque desconhece os dramas de ter a boca ligada à alma, assim com um daqueles fios de telefone de lata, que transportam (às vezes contra vontade) os pensamentos mais improváveis para o lado de fora. 
Não sei travar a corrente de pensamentos que se precipita - aos encontrões, como jogadores competitivos - à procura da melhor frase para se expressar, e não raras vezes, com a pressa de sair, as ideias agarram frases sem sentido, enfiando-as debaixo do braço como a uma bola de rugbi.
Estou sempre cheia de palavras que não sabem ficar em silêncio, palavras que saltam em cima da ponta da língua, como crianças irrequietas, e que se deixam escorregar para as conversas de forma urgente, ansiosa, interminável. 
*
Gosto de palavras, sempre gostei.
Da forma como elas ganham vida dentro de nós. e se escapam por entre os lábios, às vezes sem querer, 
Gosto de pessoas que falam, e que falam bem, que fazem poesia com aquilo que dizem, mesmo nos assuntos mais banais. 
A poesia também se declama sem saber, e é quando é mais bonita. 
Gosto de coisas bonitas, sempre gostei. 
E não sei guardá-las para mim, tenho de contá-las, embrulhá-las em frases bonitas e atirá-las ao ar, como flores num casamento, para celebrar a dádiva de estarmos vivos, como diz o outro, e podermos falar sobre isso. 

Lemon. 

17 | Mãos ao alto, almas ao chão

Não digas a ninguém, mas tem dias em que sou mais raízes do que asas.
Tem dias em que  - propositada e subtilmente - deixo cair a alma ao chão.
Não digas a ninguém, está bem?
Nesses dias, que são raros, gosto de me demorar um pouco mais nos lugares que não me pertencem, e deixo que a minha alma se estenda ao comprido na terra, sujeita a criar raízes. 
O meu lugar é onde não se está, onde não há lugares para ficar, e por isso, nesses raros dias em que me dou ao luxo de permanecer - breve, leve, suave, como quem pisa relva em pontas dos pés - sinto-me como uma criança a comer doces atrás do sofá. 
Espero que não chova nos dias em que deito a alma ao chão. 
Se chover, corro o risco de virar planta, com pesadas raízes atadas à terra, imóveis, inertes, felizes na simplicidade de fazer parte. 
Eu não faço parte, eu parto. 
Por isso não digas a ninguém, mas às vezes, - só às vezes, não te assustes, 'tá? - às vezes eu gostava de ser planta.
Nesses dias em que a vontade de me plantar é maior do que a de voar por aí, eu encosto a alma à relva e deixo-a ficar ali deitada uns minutos, apenas uns minutos, para que ela possa sentir como é abeirar-se da arte de ficar por alguém...da arte de ficar em alguém. 
Depois apanho-a com cuidado, e volto a colocá-la lá no alto, nos sítios onde ninguém chega. 
A não ser que tenha pernas extraordinariamente altas.
Ou cassetes de música empilhadas.

Mary Jane.

16 | Apetece-me

Não sei ser moderada na forma de me enterrar nas coisas até ao pescoço (nas coisas, não nas pessoas, note-se) - porque me conquistam, porque me fascinam, porque me têm, logo ali naquele momento que precede a primeira impressão. Choquem: eu apaixono-me pela vida à primeira vista. Eu sou isto - Ham-sa - mergulho rápido sem preparação, entrada de lance na água sem testar as condições do fundo. E bato no fundo, óh, se bato, mais vezes que as necessárias para se aprender a não repetir a proeza, mas é aí que está a graça de andar na vida de olhos vendados: quando os abrimos, até as coisas mais banais são extraordinárias.
 Não sei esperar pacientemente, não sei construir bases sólidas nas coisas que me arrebatam, não sei, olha, não sei ser cuidadosa na forma de me entregar às coisas (às coisas, não às pessoas, note-se, outra vez) - quando é para ser, que seja tudo de uma vez, a todo o vapor em direção à adoração entusiasmada de tudo um pouco. Não, um pouco não, desculpe-me o Amadeo de Souza Cardoso, mas quando é para ser de tudo, que seja muito, excessivo, a transbordar, que que eu sou imensa na minha ânsia de querer copos cheios até cima. 
Também não sei escolher, não sei preferir uma coisa em vez de outra, não sei ser nada além de tudo ao mesmo tempo, todas as opções em aberto, numa espécie de mistura alucinante de gostos contraditórios, que se multiplicam e transformam, e nunca ficam tempo suficiente para garantir  uma certa coerência e estabilidade.
Não sei ser coerente na minha forma de gostar da vida. Olha, não sei, gosto de chuva com a mesma admiração infantil com que gosto de sol, e se der arco-íris, olha, tanto melhor, que sempre gosto das coisas com cor, mas hoje o preto até é a minha cor favorita de todas, pelo menos até à hora do almoço, que entretanto lá para o fim a tarde o cor-de-laranja é capaz de lhe passar à frente.
Não sei falar devagar, não sei gostar devagar, e aparentemente nem sei escrever devagar, porque as palavras têm pressa de dizer o quanto gosto de tudo ao mesmo tempo, sempre rápida, sempre urgente, para não deixar escapar nada de nada.

Não sei se gosto de o que acabei de escrever, acho que não, mas a música está alta e nem vou voltar atrás para reler. Olha, apetece-me. 

Lady Lemon. 

15 | Com licença, esta é a minha história

 Um dia achei que terminava na ponta dos pés.
Pensei que talvez deus - o da letra pequena, perdoem-me os fiéis, que a minha fé é a das Palavras e dos Pássaros (especialmente os de papel) - me tivesse feito assim: 

como uma reta finita. 
Nesse dia, achei que começava na ponta do meu cabelo mais comprido e terminava mesmo junto do dedo gordinho do pé direito. 

Porquê o direito e não o esquerdo? - Perguntas tu, que falas sempre com a boca cheia de perguntas.
Porque as coisas só se endireitam no final, não é? Então, pela lógica, o direito é o fim. 
Se virarmos em todas as ruas direitas, havemos de chegar ao fim do mundo. 
(E o meu fim do mundo foste tu.) 

Mas voltando ao dia em que eu achei que tinha fim. 
Eu pensei, nesse dia, que toda a minha mania de que tenho razão, toda a minha tendência de começar a chorar por tudo e por nada, todo o meu medo do escuro, toda a pizza que comi, todas as teorias que aprendi, todos os livros que andei a ler...acabassem no dedo gordo do pé. 
Imagine-se, as minhas lágrimas, junto com os versos do Pessoa, a navegar algures dentro de mim mas só até à ponta do pé direito, como uma daquelas garrafas de vidro com barcos lá dentro. 
Achei, imagine-se, que o chão não era eu. 
Achei que a chuva que caia metros adiante não tinha nada a ver comigo, e que a música que tocava no segundo andar de um prédio qualquer não ia, certamente, fazer parte do meu segmento de 1 metro e 64 de existência.
Repara, nesse dia, eu achava que tinha 1 metro e 64. 

E depois apareceste tu.
E eu achei que afinal deus me tivesse feito assim:
Nesse dia, pensei que tinha 3 metros e 47 centímetros. 
(Antes que perguntes, eu fui fazer a conta à máquina. Cá dentro ou cabem palavras ou cabem números, tá? Não vamos cá juntar alhos com bugalhos, agora senta-te e ouve.)

Um dia achei que acabava na ponta dos pés...dos teus pés.
Pensei que talvez a minha linha reta  afinal fosse um emaranhado de linhas curvas e entrelaçadas que terminassem não em mim, mas em ti. As minhas palavras, os meus anseios, as minhas vontades prolongavam-se matematicamente até ti, até ao teu cabelo mais comprido e até ao teu pé direito, finito, onde se misturavam desorganizadamente com as tuas palavras, os teus anseios e as tuas vontades. 
Achei que afinal talvez o chão fosse eu, mas só até onde o pisasses. 
Talvez a chuva fosse eu, se te molhasse o casaco. 
Talvez a música fosse eu, se a ouvisses. 
Nesse dia, quase cheguei a achar que eu podia bem ser tu, simples assim. Talvez eu nem sequer existisse e fosse só uma sombra das tuas linhas. 

Mas depois tu desapareceste, e ao início eu pensei "olha, bonito, afinal deus fez-me assim:"
a começar e a acabar em mim mesma, 
mas tão pequenina e enrolada que tampouco chego aos pés como antes.

Mas deus não fez coisa nenhuma: no máximo fez poemas, que é a única oração que conheço. 

Então, um dia, eu decidi que não queria ter fim. 
Sim, ouviste bem, assim mesmo: 
Eu quero fazer das minhas linhas finitas uma ponte para lado nenhum. 
Hoje,
isto sou eu.


Florence.

14 | Em frente e a direito, Alasca

Tenho uma inveja quase dolorosa das pessoas que sabem por onde ir.
Há-as em todos os caminhos que cruzo, nos meus acasos sempre trapalhões e inesperados de quem não leva mapa nem leva a nada, a não ser a vontade de chegar a lado nenhum em especial. 
Desde que me lembro, nunca soube escolher caminhos na vida: se estou onde me encontro, é somente porque tropecei até aqui, quase infantilmente, por graça de todos os santos dos caminheiros não intencionais. Nunca decidi para onde iria a seguir, fui, e pronto. Isto sou eu, filha dos atalhos manhosos e pouco seguros que tanto podem acabar numa estrada sem fim ou numa rua sem saída. Eu não sei, nunca soube, nem me parece que algum dia venha a saber, o caminho certo para lado nenhum. 
Se é para Norte, dou três voltas ao quarteirão e acabo de costas para Galiza da minha escolha, se é para Sul, dou um passo em falso e lá estou eu, muito acima dos Algarves das minhas vontades que nunca param quietas.
Como se agarram vontades que não param quietas?
 Desde que me lembro, no que toca a decisões, sou desnorteada como uma toupeira à luz do dia. 
Tenho uma inveja quase dolorosa daqueles que sabem o número dos autocarros para todas as paragens da vida. Daqueles que trazem ensaiadas as coordenadas quase desde o ventre. Daqueles que desenham mapas na alma e partem em busca do caminho que traçaram por vontade deles mesmos, peritos em cartografia decisional. 
As minhas vontades são tapetes de arraiolos, entrançados em complexos jogos de linhas intercaladas que não têm começo nem fim. 
Como se desenrola um novelo de caminhos? 
Tenho uma inveja quase dolorosa das pessoas que são estradas em frente, pontes acessíveis, atalhos diretos, porque desde que me lembro fui sempre labirinto de paredes altas, tão altas que nem empoleirada em livros de poesia e sociologia consigo ver além dele. 
Como se sai do labirinto, Alaska? 

Eu gostava, só uma vez, de saber o caminho. 


Florence. 

13 | Em frente e a direito, Alasca

Tenho uma inveja quase dolorosa das pessoas que sabem por onde ir.
Há-as em todos os caminhos que cruzo, nos meus acasos sempre trapalhões e inesperados de quem não leva mapa nem leva a nada, a não ser a vontade de chegar a lado nenhum em especial. 
Desde que me lembro, nunca soube escolher caminhos na vida: se estou onde me encontro, é somente porque tropecei até aqui, quase infantilmente, por graça de todos os santos dos caminheiros não intencionais. Nunca decidi para onde iria a seguir, fui, e pronto. Isto sou eu, filha dos atalhos manhosos e pouco seguros que tanto podem acabar numa estrada sem fim ou numa rua sem saída. Eu não sei, nunca soube, nem me parece que algum dia venha a saber, o caminho certo para lado nenhum. 
Se é para Norte, dou três voltas ao quarteirão e acabo de costas para Galiza da minha escolha, se é para Sul, dou um passo em falso e lá estou eu, muito acima dos Algarves das minhas vontades que nunca param quietas.
Como se agarram vontades que não param quietas?
 Desde que me lembro, no que toca a decisões, sou desnorteada como uma toupeira à luz do dia. 
Tenho uma inveja quase dolorosa daqueles que sabem o número dos autocarros para todas as paragens da vida. Daqueles que trazem ensaiadas as coordenadas quase desde o ventre. Daqueles que desenham mapas na alma e partem em busca do caminho que traçaram por vontade deles mesmos, peritos em cartografia decisional. 
As minhas vontades são tapetes de arraiolos, entrançados em complexos jogos de linhas intercaladas que não têm começo nem fim. 
Como se desenrola um novelo de caminhos? 
Tenho uma inveja quase dolorosa das pessoas que são estradas em frente, pontes acessíveis, atalhos diretos, porque desde que me lembro fui sempre labirinto de paredes altas, tão altas que nem empoleirada em livros de poesia e sociologia consigo ver além dele. 
Como se sai do labirinto, Alaska? 

Eu gostava, só uma vez, de saber o caminho. 


Florence. 

12 | O dia em que me esqueci de te lembrar

Começou como sempre começam os dias especiais: de forma exatamente igual aos restantes.
(E agora que falo nisso,  
não é bonita a forma como as coisas especiais são tão vulgares no seu começo?)
Não há nada de extraordinário no início de nada - 
o especial está na forma como as coisas, e as pessoas,
E especialmente as pessoas,
(Se) acontecem, sem se saberem especiais.  


Afinal de contas,  
- aprendi recentemente que -  
afinal de contas, 
há tanto de especial na vulgaridade.  
E por vezes, agora eu sei, 
Há tanto de vulgar naquilo que achamos ser especial.
  
Mas isto era um texto sobre ti e
Não sobre coisas especiais.

E sim, um texto, não um poema, 
que eu não sou de poesia,
sou de palavras que fogem para a linha de baixo.  
Assim,
vês?

Às vezes as palavras são assim, 
Vivas, 
E eu deixo-as estar à vontade delas onde lhes apetece,
naquele apetecer inconstante e sempre incerto das palavras... 
Como o meu. 
- Como eu. 

Não digas a ninguém, 
Mas às vezes acho que sou mais palavras do que pessoa. 


Mas isto não era um texto sobre não-poemas e palavras, 
Era um texto sobre ti 
E sobre a forma como te "despoesaste" em mim.  

Despoesar. (des+poesar) 
Verbo transitivo.
Ato ou efeito de deixar de ser poesia; desencanto; des-fascínio; palavra acabadinha de inventar 

Gosto da sensação de inventar coisas.  
Como palavras. 
E amores, e dores, 
 o que ao fim e ao cabo é tudo verso da mesma estrofe.  

Mas isto não era para ser um texto-torto sobre invenções. 
Era para ser um texto sobre ti. 

Mas hoje foi o dia em que eu esqueci de te lembrar, 
e começou como sempre começam os dias especiais: 
de forma exatamente igual aos restantes.

L.