sábado, 28 de maio de 2016

2 | Os dias em que não moro em casa

Moro no conforto do que conheço, reconheço-o:
quando habito, é nos lugares que me são casa, e porto, e farol, e concha,
em que caminhar é só andar em frente,
sem olhar o chão,
por lhe saber já de cor as ranhuras e fissuras que se abrem abaixo dos pés treinados.
Sei o que não pisar quando estou em casa,
reconheço, sem pensar, o estalido daquele degrau das escadas em que a madeira está mais solta,
e solto,
solto-me,
salto,
deixando a desconfiança à porta feita guarda-chuva em dias de sol.
Sei conduzir de olhos fechados nas ruas da familiaridade,
prego a fundo no acelerador. que a seguir é à esquerda,
e depois direita,
e de novo esquerda,
e cheguei ao destino que é também partida,
como um círculo incessante que conheço do princípio ao fim,
embora não tenha fim
nem princípio.
Moro no resguardo dos tiros no escuro, escudo eterno
e inquebrável de desafios falhados,
loucuras imprudentes, consequências inesperadas -
moro na espera o que é esperado,
e moro bem,
pois demoro-me no saber o que vem depois.
Sou leve e livre nas amarras pesadas dos lugares que são meus,
mas tem dias que olho pela janela com a avidez de quem quer ver mais;
de quem nunca viu mais,
de quem teme ver mais.
Nesses dias - que são raros, mas são dias na mesma,
(e noites, diz por aí)
aventuro-me pelos jardins e por vezes abro a cancela do desconhecido.
A medo, com o guarda-chuva em riste,
caminho aos tropeções pelos lugares onde ainda não pertenço,
mas quantos mais são os dias em que não moro em casa,
mais são os caminhos que passam a ser meus.

(once again) 
Florence

4 comentários:

Catarina Luna disse...

Deixas-me sempre com um sorriso no rosto! :)

Unknown disse...

Perfeito, lindo, maravilhoso!!!!!!!! ❤😍😘

Unknown disse...

Perfeito, lindo, maravilhoso!!!!!!!! ❤😍😘

Diana Fonseca disse...

Tinha tantas saudades de ler coisas tão boas!